Pelo Espírito Irmão X (Humberto de
Campos).
Psicografia de Francisco Cândido
Xavier.
Livro: Doutrina Escola. Lição nº 01.
Página 13.
Allan Kardec, o respeitável professor
Denizard Rivail, já havia organizado extensa porção das páginas reveladoras que
constituiriam O Livro dos Espíritos.
Devotado observador, aliara
inteligência e carinho, método e bom senso na formação da primeira obra que
lançaria os fundamentos da Doutrina Espírita.
Não desconhecia que a sobrevivência da
alma era tema empolgante no século.
Entretanto, apontamentos e
experimentações, em torno do assunto, alinhavam-se desordenados e nebulosos. Os
fenômenos do intercâmbio, pareciam ameaçados pela hipertrofia de espetaculosidade.
Saindo de humilde vilarejo da América
do Norte, a comunicação com os Espíritos desencarnados atingira os mais cultos
ambientes da Europa, originando infrutífero sensacionalismo.
Era necessário surgisse alguém com
bastante coragem para extrair do labirinto a linha básica da filosofia
consoladora que os fatos consubstanciavam, irrefutáveis e abundantes.
Advertido por amigos da Espiritualidade
de que a ele se atribuía, em nome do Senhor, a elevada missão de codificar os
princípios espíritas, destinados à mais ampla reforma religiosa, pusera mãos ao
trabalho, sem cogitar de sacrifícios.
E adotando o sistema de perguntas e
respostas, conseguiria vasta colheita de esclarecimento e de luz.
Guardava consigo preciosas anotações
acerca da constituição geral do Universo, surpreendentes informes sobre a vida
de além-túmulo e belas asserções definindo as leis morais que orientam a
Humanidade.
O material esparso equivalia quase que
praticamente ao livro pronto.
Contudo, era preciso estabelecer um
ponto de partida.
O primeiro compêndio do Espiritismo,
endereçado ao presente ao futuro, não podia prescindir de sólidos alicerces.
E, debruçado sobre a mesa de trabalho,
em nevada noite do inverno de 1856, o Codificador interrogava a si mesmo: - Por
onde começar?
Pelas conclusões científicas ou pelas
indagações filosóficas? Seria justo desligar a Doutrina, que vinha consagrar o
antigo ensinamento do Cristo, de todo e qualquer apoio da fé, na construção das
bases que lhe diziam respeito?
O conhecimento humano!... - pensava ele
- não se modificava o conhecimento humano todos os dias?... As ilações
filosófico-científicas não eram as mesmas em todos os séculos... E valeria
escravizar o Espiritismo à exaltação do cérebro, em prejuízo do sentimento?
Atormentado, via mentalmente os homens
de seu tempo e de sua pátria extraviados na sombra do materialismo demolidor...
A grande revolução que pretendera
entronizar os direitos do Homem ainda estava presente no ar que ele respirava.
Desde 2 de Dezembro de 1851, o governo de Luis Napoleão, que retomava as linhas
do Império, permitia prisões em massa, com deliberada perseguição aos elementos
de todas as classes sociais que não aplaudissem os planos do poder. Muitos
membros da Assembléia haviam sofrido banimento e mais de vinte mil franceses jaziam
deportados, muitos deles sem qualquer razão justa. Homens dignos eram enviados
a regiões inóspitas, quando não eram confiados, no cárcere, à morte lenta.
O pensamento do missionário foi mais
longe...
Recordou-se de Voltaire e Rousseau,
admiráveis condutores da inteligência, mas também precursores da ironia e do
terror. Lembrou Condorcet, o filósofo e matemático, envenenando-se para escapar
à guilhotina, e Marat, o médico e publicista, assassinado num banho de sangue,
quando instigava a matança e a destruição.
Valeria a cultura da inteligência, só
por si, quando, a par dos bens que espalhava, podia desmandar-se em sarcasmo
arrasador e loucura furiosa?
Com o respeito que ele consagrava
incondicionalmente à Ciência e à Filosofia, Kardec orou com todo o coração,
suplicando a inspiração do Alto.
Erguia-se-lhe a prece comovente, quando
raios de amor lhe envolveram o espírito inquieto e ele ouviu, na acústica da
própria alma, vigoroso apelo íntimo: - “Não menosprezes a fé!... Não comeces a
obra redentora sem a Bênção Divina!...”.
E o Codificador, nimbado de luz, com a
emotividade jubilosa de quem por fim encontrara solução a terrível problema,
longamente sofrido, consagrou o primeiro capítulo de O Livro dos Espíritos à
existência de Deus.
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